Comissão que apurou venda da SAF para a 777 identificou pagamento suspeito e balanço forjado

Depois de aproximadamente um ano e meio de trabalho, a comissão formada por conselheiros do Vasco para apurar as condições em que se deram a constituição da SAF do clube e a subsequente venda de 70% das ações para a 777 Partners entregou no dia 6 de outubro o relatório preliminar com a conclusão das investigações. No total, 21 pessoas foram indiciadas no processo que pode causar a exclusão do quadro social do clube.

Essa é a terceira de quatro etapas que competem à comissão. Os acusados têm 15 dias úteis a partir da citação para apresentar suas defesas. A quarta e última etapa será a análise das defesas e a elaboração do relatório final.

A comissão é formada por sete conselheiros do Vasco: José Henrique Carvalho Gonçalves (presidente), Cláudio Pereira Gomes (relator), Luiz Gustavo de Menezes Ribeiro, Jorge Luiz Moraes, José Pedro Mota de Souza Ferreira, André Luiz Vieira Afonso e Emmanoel Ursulino de França Filho.

Entre as principais acusações citadas no documento, está o pagamento de R$ 775.833,34 a uma empresa de Blumenau sem que a comissão tivesse encontrado indícios de que a empresa prestou algum tipo de serviço ao clube.

Além disso, o relatório cita o depoimento de um ex-funcionário que afirma que o valor da dívida do clube associativo foi forjado no balanço patrimonial apresentado antes da constituição da SAF, deixando “embaixo do tapete”, nas palavras da comissão, uma dívida dissimulada de mais de R$ 200 milhões.

A comissão concluiu que havia um chamado “Núcleo Central Decisório” que participou de todas as etapas do processo, do início das discussões acerca da lei da SAF até a assinatura do negócio com a 777.

Segundo a comissão, faziam parte do núcleo:

Jorge Salgado (presidente)

Carlos Roberto Osório (1º vice-presidente Geral)

Roberto Duque Estrada (2º vice-presidente Geral)

Carlos Fonseca (presidente do Conselho Deliberativo)

Adriano Mendes (vice-presidente de Finanças)

Zeca Bulhões (vice-presidente Jurídico)

Luiz Mello (CEO do Vasco e, posteriormente, da SAF)

Todos eles foram indiciados, com exceção de Luiz Mello. Como não faz parte do quadro societário do Vasco, o ex-CEO foge da competência da comissão. No entanto, o relatório foi encaminhado ao presidente Pedrinho para “a tomada de medidas necessárias para reparação dos danos causados por este senhor ao CRVG”.

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Salgado, Osório, Duque, Carlos Fonseca, Adriano Mendes, Zeca Bulhões e Luiz Mello foram procurados pela reportagem do ge para se manifestar sobre as acusações. As respostas estão no fim do texto.

Os outros indiciados são Horácio Junior (VP de História e Responsabilidade Social), Otto Carvalho (presidente da Assembleia Geral) e os membros da comissão de parecer do Conselho Deliberativo que sugeriu a aprovação da venda: Eduardo Rua, Evanil Ribeiro, Ingor Mendes Costa, José Carlos Osório, Júlio Brant, Marco André Coelho de Almeida, Manoel Cordeiro Silva Filho, Orlando dos Santos Donin, Rafael Pina, Roberto Vallim, Rodrigo Leal Martins, Silvio Almeida (atual vice de finanças de Pedrinho) e Wagner Pereira Coutinho Filho.

“Tudo orquestrado”

Uma das primeiras conclusões apontadas no relatório é de que a diretoria encabeçada por Jorge Salgado criou deliberadamente um cenário fictício para convencer sócios e torcedores de que a venda da SAF para a 777 Partners era a única saída para o clube.

“Percebe-se claramente que tudo fora orquestrado pela Diretoria Administrativa da gestão Jorge Salgado, como um grande teatro para iludir sócios, gerar expectativas vitoriosas com a criação de uma empresa, e que isso teria a finalidade única de tornar o clube vencedor, dando lastro imaginário do torcedor para não proceder a venda do futebol do Vasco da Gama”, diz um trecho.

Sócios ocultos

De acordo com documentos e contratos obtidos durante as investigações, a comissão concluiu que a antiga diretoria tinha ciência de que estava se vinculando a uma empresa de procedência duvidosa. Um organograma anexado ao relatório aponta que a 777 tinha ao menos dois sócios ocultos, o que fere o estatuto do clube.

Outro ponto questionado pela comissão é o fato de a SAF ter sido vendida à empresa 777 Carioca LLC, sendo que durante todo o rito de aprovação foi dito que as ações seriam vendidas à 777 Partners.

“A empresa 777 Carioca LLC ainda é um mistério para esta comissão”, conclui.

A nomeação de Luiz Mello

O envolvimento de Luiz Mello no processo foi citado em diversos trechos do relatório, em especial o fato de ele ter sido nomeado CEO da SAF logo depois de representar os interesses do clube como CEO do CRVG na negociação. Na época, a notícia repercutiu mal, e alguns meses mais tarde Luiz Mello foi retirado do cargo.

“Por incrível que possa parecer, uma das justificativas para manter o Sr. Luiz Mello como head (cabeça) das tratativas de negociação era sua excelente fluência em língua inglesa, o que facilitava todo o dia a dia para os responsáveis da Diretoria Administrativa do ex-presidente Jorge Salgado. Além disso, fica escancarado o total conflito de interesses de um homem que tratava o negócio sendo vendedor para, horas depois, se tornar o principal executivo dos compradores”, diz um trecho.

Em seguida, o relatório conclui:

“Foi desta forma, com total negligência, falta de zelo e com clara dose de parcialidade, que a Diretoria anterior tratou a maior e mais importante negociação de toda a gloriosa história do Club de Regatas Vasco da Gama. Em depoimentos a esta comissão foi dito que o Sr. Adriano Mendes foi peça importante na escolha do Sr. Luiz Mello como CEO da Vasco SAF”.

Pagamentos suspeitos

Uma das principais acusações contidas no relatório diz respeito ao conteúdo de um contrato intitulado “Instrumento Particular de Acordo Preventivo de Litígio”. Nele, consta que o Vasco pagou o montante de R$ 775.833,34 à MJ Capital LTDA, sediada em Blumenau, sem que houvesse indícios de que a empresa participou de qualquer etapa do processo de constituição ou venda da SAF.

Também causou estranheza aos membros da comissão o fato de a empresa ter sido criada 34 dias antes da assinatura do dito instrumento e encerrada sete meses depois.

“Assim, ao pagar R$ 775.833,34 para uma empresa que efetivamente não prestou serviço algum, visto que impossível qualquer prestação de serviço pela data que foi criada e o dia que o “Instrumento Particular de Acordo Preventivo de Litígio” foi assinado, todos aqueles que chancelam tal operação ou contra ela não se insurgiram, onde se incluem minimamente Jorge Salgado, Zeca Bulhões e Adriano Mendes, praticaram ato atentatório contra o CRVG, em tese, passível de reprimendas criminais e cíveis”, concluiu.

O relatório também afirmou que R$ 4 milhões dos 70 milhões do empréstimo-ponte concedido pela 777 Partners ao Vasco, no período anterior à assinatura do contrato vinculante, foram utilizados “para pagar uma suposta ‘dívida’ que o CRVG possuía com o então presidente Jorge Salgado”.

Balanço forjado

A comissão também concluiu que a antiga diretoria forjou dados lançados no balanço patrimonial do CRVG que foi elaborado antes da conclusão da venda da SAF, em especial no que diz respeito ao valor real da dívida do clube.

Em depoimento, um ex-funcionário afirmou que Adriano Mendes “utilizava a ferramenta Excel para ‘reduzir’ as dívidas do clube associativo”, induzindo a erro o Conselho Deliberativo, que posteriormente aprovou o balanço.

“Em resumo, a dita ‘excelente’ venda das cotas da Vasco SAF deixou ‘embaixo do tapete’ uma dívida dissimulada pela Diretoria Administrativa de mais de R$ 200 milhões, e as receitas que sobrariam ao Clube Associativo não seriam suficientes para pagar as despesas do dia a dia, o que, literalmente, colocou o CRVG em um estágio falimentar. Essa é a verdade real reproduzida nos autos, no curso das investigações”, concluiu.

Veja o que disseram os acusados:

Jorge Salgado, ex-presidente

Informou que está em viagem no exterior. E que, quando regressar, vai avaliar o caso para definir suas ações.

Carlos Roberto Osório, ex-1º VP Geral

“Eu fui surpreendido por esse estranho relatório. Estou avaliando o conteúdo para definir o encaminhamento adequado a ser dado. Só então vou me manifestar”.

Roberto Duque Estrada, ex-2º VP Geral

“Estou a trabalho no exterior e tomei conhecimento pela imprensa. Eu nego todas as acusações absolutamente infundadas, formuladas por pessoas que pouco estudaram os contratos. Meu trabalho foi técnico. Presidi uma comissão que examinou os contratos e emitiu um parecer técnico, dando recomendações e fazendo comentários. Quem decidiu celebrar a operação foi o Conselho Deliberativo e a Assembleia de Sócios. Não assinei nenhum contrato, nem autorizei qualquer pagamento. Além disso, esse conhecimento de um processo sigiloso compromete a lisura do procedimento e revela seu propósito eminentemente político. Trabalhamos sério, sem qualquer remuneração, pela viabilidade do Vasco. Realmente vergonhoso. Quanto ao balanço, não era de minha responsabilidade. Mas não houve ocultação de obrigações. Mas, sim, avaliação de riscos de contingências”.

Carlos Fonseca, ex-presidente do Conselho Deliberativo

Preferiu não se manifestar.

Adriano Mendes (ex-VP de Finanças), Zeca Bulhões (ex-VP Jurídico) e Luiz Mello (ex-CEO) não responderam até a publicação da reportagem.

Fonte: ge

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